Experiências Pessoais


EXPERIÊNCIAS PESSOAIS


Segunda Guerra Mundial: a caminho da morte.

Do gueto de Lodz, fui levado para Auschwitz. Após a seleção feita por
Mengele, fui levado para o campo de ciganos, em Birkenau. O terror, os
maus tratos e os assassinatos lá cometidos pelos guardas alemães, capos
e dignitários, são difíceis de descrever. Não sei dizer como, mas
sobrevivi. Fui levado de volta a Auschwitz e vendido como escravo a uma
empreiteira.

Revista Morashá – Edição 29 – Junho de 2000

Ganhei
um uniforme de prisioneiro com um número, onde também era estampado um
triângulo vermelho. Geralmente, os judeus ganhavam um triângulo
vermelho sobreposto com um triângulo amarelo, que juntos formavam uma
Estrela de David. Desta maneira era mais fácil sermos reconhecidos como
judeus. Ganhei duzentos gramas de pão, um pedaço de salame e fui
embarcado num vagão de gado, junto com mais de sessenta pessoas. Não
sei dizer quantos dias fiquei nesse trem. Paramos em um lugar chamado
Wüstegiersdorf, perto de Breslau. Fomos levados para um campo chamado
Kaltwasser (água fria). Fomos recebidos por um oficial da SS, o
comandante do campo. Era um homem já passado de sessenta anos. Era
imberbe e de rosto enrugado. Foi apelidado por nós de "bube" (vovó).
Fez um discurso cheio de impropérios, ofensas e ódio. A expressão mais
branda era "judeus desclassificados".

Era um campo
só de judeus e a maioria, de Lodz. Parece que o comandante já sabia
disso, porque logo tratou da infra-estrutura do campo. Nomeou um
comandante judeu. Este, por sua vez, escolheu capos e outros para os
trabalhos no campo. Tudo sob as ordens do comandante alemão. As
condições em que vivíamos eram as piores possíveis. Grassavam a fome,
frio, sujeira e maus tratos.

Não pertencíamos mais a Auschwitz, mas a Grossrosen. Os doentes e os
que não conseguiam mais trabalhar eram mandados para Grossrosen e lá
exterminados. Em Kaltwasser, um SS me arrancou os dentes sadios, sem
anestesia, proibindo-me de gritar ou gemer. Éramos despertados de
madrugada, antes do sol nascer. Fomos contados e mandados para a
floresta, para a construção de fortificações. Para não perder muito
tempo nas idas para o trabalho, uma parte dos prisioneiros foi
designada para construir um novo campo no próprio local do trabalho, na
floresta. O novo campo chamava-se Lager Lerche. Neste campo recebemos
um novo comandante, também de Grossrosen. Este trouxe consigo um Lager
Aelteste (comandante judeu). Por coincidência, ele era de Lodz e tinha
em nosso campo muitos conhecidos, de antes da guerra. Estes conhecidos
tomaram os lugares dos capos e dos outros. Para nós, isto não fazia
diferença. As relações entre os eles e nós, prisioneiros, eram, de
maneira geral, satisfatórias. Em compensação, os guardas SS eram da
pior espécie. Nos batiam sem dó ou piedade. Várias vezes o mestre de
obra intervinha para salvar um infeliz do massacre. O comandante – um
sádico nato – só se referia a nós de "sau" (porca). De tanto gritar
sau, nós o apelidamos de sau. Chegou o mês de dezembro. Estávamos no
ano de 1944. A Alemanha estava perdendo a guerra. Fomos forçados a
trabalhar ainda mais duro. A frente russa estava se aproximando e eles
precisavam das fortificações. O "sau" nos reuniu e prometeu que no dia
24 de dezembro, na volta ao campo depois do trabalho, cada um de nós
receberia duas sopas reforçadas e mais duzentos gramas de pão. No dia
25 não iríamos trabalhar. Estávamos contando os dias. Quando chegou o
dia 24, todos estavam exultantes, esperando a hora de voltar ao campo.
Entrando no campo, estávamos esperando para ser contados como sempre e
esperando pela tão sonhada sopa e a migalha de pão. O sau se postou
como sempre em nossa frente e entre xingamentos e impropérios, onde a
palavra "sau" foi repetida inúmeras vezes, disse que não merecíamos
mais comida, porque não havíamos trabalhado o suficiente. Disse que não
seríamos punidos porque era Natal. Entramos nos barracos frustrados.
Pouco tempo depois, o gongo soou. Corremos animados para a praça onde
sempre éramos contados, na esperança de recebermos a prometida sopa e o
pedaço de pão. Fomos alinhados pelos capos, esperando pelo comandante
sau. A noite estava limpa, sem nuvens, mas o frio era glacial.
Estávamos só com o uniforme listrado de prisioneiro, que não
esquentava. O frio começava a entrar até em nossos ossos. Depois de
muito tempo o sau apareceu. Os guardas se postaram atrás da cerca de
arame farpado. Um guarda abriu o portão e o sau entrou. Estava bem
abrigado do frio e visivelmente alcoolizado. O Lager Aelteste gritou a
plenos pulmões: achtung (atenção). Ao comando, tiramos o quepe e
esperamos em silêncio. O sau começou a sua arenga.