Judeu ortodoxo israelense propõe: Ieshua era um judeu fiel à Torá.


Os cristãos tenderam a retratar Ieshua como alguém que tornou a Lei obsoleta, deixou para trás a Lei e o judaísmo, cuja finalidade era preparar um caminho para o Messias e manifestá-lo. Mas depois que ele veio, ambos foram suplantados. O judaísmo apegava-se á Lei, que levava morte, ao passo que o cristianismo seguia o evangelho que conduzia á Vida. Era como se houvessem antecipado Kipling:

“A Lei é a Lei, o Evangelho é o Evangelho, e os dois jamais se encontrarão”.

Com esta clava da “Lei que trata da morte” os cristãos golpeiam os judeus desde os tempos do Novo Testamento. E, portanto, vital para o autoconhecimento dos cristãos, e para o relacionamento entre as duas religiões, que seja corrigido o equívoco quanto atitude de Ieshua, o fundador do cristianismo, para com a Lei.

Para começar, aquele que os cristãos afirmam ser o fundamento, a pedra angular de sua religião, é Jesus de Nazaré, Ieshua ha Notzri que, devemos lembrar, não era cristão. Ieshua era judeu, e judeu praticante. Isso significava que Ieshua não acabou por dispensar ou abolir a ,Torá, a Lei. Ele veio para cumpri-la.

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Devemos também , lembrar que embora o termo hebraico Torá tenha sido, traduzido pela Setenta grega por nomos, Lei, ele tem, na Verdade, um sentido muito mais amplo, a saber, “instrução”, sobre como levar a Vida humana, plenamente judaica, correta. Assim sendo, quando a palavra nomos aparece no Novo Testamento, significa quase invariavelmente Torá, embora em alguns casos possa incluir também a “Torá oral” ou halakhah, vale dizer, as regras de conduta interpretadas e derivadas da Torá escritas pelos rabinos, ou proto-rabinos, inclusive Ieshua.

A palavra hebraica halakhah, significa o “caminho “ou “caminhada” e nos escritos rabínicos assume o significado de “a decisão” sobre o modo correto de agir num caso específico, não aparece como tal nos evangelhos, mas a realidade qual se refere está frequentemente registrada, isto é, quando Ieshua afirma que determinado modo de agir é maneira de aplicar a Torá numa circunstância da Vida. E interessante notar, contudo, que o equivalente de halakhah em grego, todos, aparece nos Atos dos Apóstolos quando são descritas as práticas dos seguidores de Ieshua:

“Sirvo ao Deus dos meus pais segundo o Caminho (hodos)” (At24,14).

É neste sentido da decisão quanto a maneira correta de aplicar a Torá, a instrução de Deus, Vida concreta, que o rabino Phillip Sigal fala da halakhah de Ieshua — e eu fago o mesmo aqui.

Como já foi dito, Ieshua era judeu, e judeu muito praticante, isto é, estava empenhado no cumprimento da ,Lei, da maneira que lhe parecia ser a melhor. Visto que ,era “rabi”, ensinava outros a fazerem o mesmo. Em, resumo, ele não veio para revogar ou abolir a Torá, a Lei. Veio para cumpri-la.

Afirmação assim tão abrupta pode muito bem ter Sido ,um choque para a maioria dos cristãos do passado, mas ,ela conta com o apoio crescente de cristãos contemporâneos e estudiosos judeus.

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O estudioso judeu ortodoxo israelense, Pinchas Lapide, disse, falando de Ieshua, que ele “nunca e em lugar algum desobedeceu Lei de Moisés, a Torá de Moisés, nem de nenhum modo fez com que fosse, infringida é inteiramente falso dizer que o fez… Esse Jesus era tão fiel a Lei quanto eu mesmo esperaria ser.Até suspeito que Jesus fosse mais fiel Lei do que eu, que sou judeu ortodoxo”.[1]

O especialista católico no Novo Testamento Franz Mussner argumenta que não se deve ler a tradição de Ieshua nos evangelhos a priori luz do ensinamento paulino da justificação, o qual surgiu da reflexão a respeito do significado salvífico da morte e ressurreição de Ieshua. Em vez disso, não se deveria hesitar em considerar a afirmação da Lei em Mt 5,19 (Lc 16,17) como vinda de, Ieshua. De fato, “a judeidade de Ieshua está refletida de modo especial” .[2]

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Outro especialista judeu ortodoxo israelense propõe o assunto nos seguintes termos: “Ieshua era um judeu fiel Torå”[3], assim como outro estudioso escreveu: “Jesus permaneceu inabalavelmente fiel velha Torá. Até o dia de sua morte, continuou a observar as leis cerimoniais como um verdadeiro judeu fariseu”.[4]

0 professor judeu de estudos rabínicos da Universidade de Cambridge expressou a mesma ideia: “Tampouco posso aceitar que o intento de Jesus fosse de abolir o judaísmo que encontrara.

Claro, tinha críticas a fazer, mas queria aperfeiçoar a Lei de Moisés, não anulá-la. A hostilidade cristã a esta lei parece-me uma traição ao ensinamento de Jesus”. [5]

0 estudiosos do judaísmo Johann Maier fez a mesma afirmação:

“Não há evidência de que Jesus pretendesse a suspensão da Torá. Pelo contrário, era considerado tão devoto que os fariseus até demonstraram o interesse positivo por ele e o consideraram digno de ser acompanhado em suas andanças. Do mesmo modo, a comunidade judaica cristã não viu motivos para abandonar a Torá, tanto na teoria como na prática…em nenhum caso concreto, quer no tocante às curas no sábado, quer na prática da pureza ritual, quer ainda na questão do divórcio, conflito basicamente com a Lei”.

 

Leonard Swindler, Ieshua – Jesus Histórico, págs. 53 a 56, EP.

[1] Pinchas Lapide e Hans Kung, “Is Jesus a Bond or Barrier? A Jewish-Christian Dialogue”, Journal of Ecumenical Studies, 14 (1977), p. 473, uma traducäo de Hans Kung und Pinchas Lapide, Jesus im Widerstreit. Einjüdisch christlicher Dialog, Stuttgart, Munique, Calwer/Kosel, 1976, p. 26.

[2] Franz Mussner, Tratado sobre os Judeus, Ed. Paulinas, Säo Paulo, 1990.

[3] David Flusser, Jesus in Selbstzeugnissen undB ilddokumenten, Reinbeck,

1968, p. 43.

[4] Joseph Klausner, Jesus of Nazareth, Nova Iorque, 1925, p. 275.

[5] Nicolas de Lange, “Who is Jesus?” , Sidic, 12,3, 1979, p. 12.